Sociedade e Consumo - um olhar crítico da economia


Outro dia, estava na casa de uma colega tomando um café da tarde, quando minha mãe manda uma mensagem para eu escolher um livro, já que ela estava na Feira de Livro da USP, um lugar quase que mágico para quem gosta de livros. De cara, falei "Pega o volume 1 da Rosa Luxemburgo - Obras Escolhidas"(ainda tava vivendo o hype de ler Rosa. Inclusive já leu o outro texto ? rs). Ela então rebate e diz para escolher um livro de economia. Como não sabia o que ler, pedi sugestões e eis que me surge esse livro, com um ótimo título, principalmente para quem está iniciando os estudos nessa área. Introdução à Economia - Uma abordagem crítica, de Wilson Cano. 

Como não tinha um outro livro que me atraísse, peguei esse mesmo e comecei a ler. Então nesse texto vou tentar transmitir um pouco da leitura que adquiri lendo esse livro. Hoje vamos falar sobre: Formações sociais e produção.



Início da sociedade e relações sociais


O desenvolvimento da sociedade e do homem estão estreitamente relacionados com a economia que se tem hoje, desde as pequenas transações até aos grandes cartéis formados pelas multinacionais. Hoje vivemos o que nós chamamos de economia de mercado, dentro do sistema capitalista, e para entender os conceitos básicos que permeiam esse sistema, vamos iniciar falando dos processos econômicos e sociais que levaram a sociedade se organizar dessa maneira. Então como diria um amigo meu, vamos fazer como Jack Estripador, por partes.

Pré-história


Podemos definir esse período histórico como o momento onde se inicia as relações entre os "humanos", que caso fosse catalogado como formações sociais, teríamos a primeira, como o estado Selvagem, ou Comunismo Primitivo, que é marcado pela ida do homem ao solo, o desenvolvimento da fala, início das atividades voltadas para a própria subsistência, como a pesca, caça e coleta. Podemos também identificar como o princípio de uma forma organizada entre os humanos, que começam a se organizar em bandos, se ajudando nas tarefas voltadas para a sobrevivência e na proteção e guerra contra outros bandos. Com o avançar do tempo e de técnicas no domínio da pedra, madeira e fogo, podemos identificar mudanças significativas na sociedade, surgindo assim, uma nova formação social.


Barbárie


Essa forma de organização é marcada pelo domínio da cerâmica e dos metais, mas também pela radicalização em determinados locais. Com o abandono(ou quase abandono) de uma vida nômade, temos o desenvolvimento da agricultura e pecuária, aumentado o poder do homem e sendo o embrião do que viriam a ser as cidades dos tempos antigos.

Conforme o homem começa a trabalhar com ferro, a barbárie é levada a um estágio superior, mas não rompendo completamente com o modelo de formação social. A partir desses processos, temos a elaboração da escrita e aperfeiçoamento da fala; avanços nas técnicas de navegação e de construções, sobretudo as de residências; começa a ser constituídas as primeiras famílias patriarcais(que persiste até os dias atuais); ainda não se tem o conceito de propriedade privada sobre os meios de produção, sendo a terra ainda utilizada de forma comunal.

Essa formação social também é marcada por um período intenso de conflitos entre os homens, criando novos problemas: com a vitória e a submissão dos perdedores, eles eram convertidos em escravos e perdiam as terras comunais. Além disso, temos também uma expansão das trocas realizadas entre os homens, graças ao domínio da natureza e a descoberta de novos espaços. Mas fique atento, as trocas realizadas nesse período com base nos valores de uso, já que ainda não havia sido desenvolvido o produto mercantil.


Com o caminhar da sociedade, novas necessidades foram surgindo, assim foram sendo criadas as primeiras instituições, com normas e legislações sendo formuladas para manter a convivência dos homens que passam a viver em sociedade. Também foram criadas aparelhos de repressão ao crime e manutenção da ordem, que para se manterem, são criados os impostos e dívidas públicas. Nesse ponto da história humana, podemos afirmar que o Estado passa a existir em nossas vidas e a formação social já não é a mesma.

Junto com essas alterações estruturais, temos uma mudança nos conceitos e normas sociais. Agora temos uma deterioração das propriedades comunais, sendo elas cada vez mais individualizadas pelos homens, sobretudo nas produções agrícolas e artesanais.


Passamos, assim, entre 5000 a.C e 300 a.C, para o período das Grandes Civilizações Clássicas (grega e romana), que se estende até meados de 450 d.C, quando ocorre as invasões bárbaras, que marcam a "crise definitiva" e o fim dessa formação, que de suas ruínas surgem uma nova ordem social: o Feudalismo.


Feudalismo


Nessa nova formação, temos um sistema de classe sendo divida com base na servidão, tendo a nobreza, o clero, a burguesia nascente e os artesãos sendo beneficiados por essa organização. Para além disso, começamos a ter o fortalecimento da ideia de propriedade privada, principalmente a propriedade sob a terra, ocasionando a perda de muitas terras comunais, obrigando os homens a fugirem ou abandonar suas glebas em direção às cidades ou partido para a proteção fornecida pelo feudo. Todos esses homens, sejam eles escravos, servos ou homens livres, precisam prestar servições para alguém, que proverá o sustento, seja pela servidão, escravismo ou salário.

Outra grande transformação foi na concepção de troca. Até o momento, tinha-se as trocas baseados no valor de uso, que começa a perder o sentido nesse sistema, que passam a representar o valor de troca, isto é, têm como objetivo satisfazer o capital mercantil na busca do lucro, não apenas satisfazer a necessidade do homem que produziu a mercadoria trocada. O sistema MDM (mercadoria-dinheiro-mercadoria) é substituído por um sistema onde o lucro mercantil dita as regras do jogo: o dinheiro compra a mercadoria para serem vendidas com lucro, trazendo um dinheiro maior (DMD). Assim, os homens passam a produzir coisas sem saber para quem, ou para que, nem por que o fazem.



Civilização Moderna


Da expansão mercantil, o capitalismo saltaria para a Revolução Industrial, que de suas ruínas são criadas novas instituições, ocasionando um fortalecimento do Estado. Tal processo era necessário para a proteção do capital crescente, para a expansão das trocas, para saciar os desejos de terceiros ou, até mesmo de países, com pessoas ociosas sendo reprimidas e obrigadas a trabalhar. Com muita dor e sangue, é fundada a Civilização Moderna.

No período entre os séculos de XVI e XX, temos não apenas uma grande industrialização do modo de produção, mas também grandes rupturas, como duas Grandes Guerras e a Revolução de 17, que baseado nos conceitos de Marx, Engels e Lênin, instaura o socialismo na URSS e que até o seu fim, era a grande alternativa ao capitalismo, que se vê obrigado a ceder a certas demandas da sociedade, como melhores condições de trabalho e sociais, iniciando a política de Welfare State.

"Os homens eram livres em suas comunidades, tornaram-se escravos ou servos, e depois foram libertados para o capital, assalariando-se." Wilson Cano
Observando a história e mudança da sociedade, vivemos atualmente um período de retrocesso no campo das vitórias sociais, sofrendo uma grande redução de direitos sociais e trabalhistas, fruto de política neoliberal, transformando países periféricos e subdesenvolvidos em economias cada vez mais dependentes dos países desenvolvidos. 

Sociedade e produção


Como observamos em sociedades mais antigas, as necessidades se restringiam apenas nas coisas essenciais, sem as quais o homem poderia deixar de existir. Conforme o ser humano foi se socializando e passando a viver em conjunto e em sociedade, as necessidades também passam por mudanças, passando a ter um caráter ilimitado. Assim, temos o homem atual desejando alimento, educação, saúde, transporte etc, sempre com uma diversidade e sofisticação cada vez maior.

Com essas alterações, podemos passar a dividir e classificar as necessidades humanas em dois grandes grupos, cada uma com suas divisões internas: necessidades individuais e necessidades coletivas.

Necessidades individuais


Dentro das necessidades individuais, temos as necessidades corporais, podendo ser absolutas ou relativas, necessidades espirituais ou necessidades de luxo.
  1. As necessidades corporais são as consideradas fundamentais como alimentação, reprodução, abrigo, vestuário etc. Entretanto, podemos dividi-las em outros 2 subgrupos: as absolutas e as relativas.As necessidades absolutas são aquelas que tem caráter biológico, com a vida sendo dependente dela. Já as necessidades relativas são condicionadas e induzidas pela existência social do homem. Sendo assim, podemos afirmar que o meio social cria uma certa necessidade e obrigatoriedade na diversificação do atendimento dessas necessidades. Podemos chamar esse conceito de "conforto".
  2. As necessidades espirituais são regidas pelo psiquismo do indivíduo, podendo ser classificadas como o desejo de obtenção de conhecimento e criação artística, ou seja, a educação e a cultura.
  3. O luxo possuiu um caráter muito mais relativo que absoluto, sendo utilizado historicamente até hoje para marcar nitidamente as diferenças de classe e renda entre os homens, sendo alterado conforme as condições sociais e nível de renda variam. Até mesmo o conceito de luxo é alterado ao longo da história, conforme o desenvolvimento econômico e sociais atingem patamares cada vez mais altos. Também o desenvolvimento tecnológico de produção pode reduzir os custos de produção, tornando o produto mais barato e acessível a população. Outro aspecto muito interessante do luxo é quando ele é um desejo coletivo: no passado, tinha-se o desejo pelas pirâmides; atualmente, gastamos inúmeros recursos na construção de edifícios gigantes, recursos esses que poderiam ser empregados em construção de casas populares, hospitais e escolas, por exemplo.

Necessidades Coletivas


As necessidades coletivas são as que surgem do convívio em sociedade do homem, sendo que elas só podem ser satisfeitas por um esforço coletivo de todos. Para alcançar esse objetivo, o homem é obrigado a produzir diversas cosias. Quando são físicas, chamamos de bem, quando não, são chamadas de serviços. Os bens e serviços podem ser classificados da seguinte maneira:
  1. Livres: quando não é necessário nenhum esforço da sociedade para a obtenção dele.
  2. Econômicos: requerem um esforço para a sua obtenção, apresentando um caráter de relativamente escassos, são objetos de propriedade e posse, com seu valor sendo expresso mediante a preços.
Outro aspecto importante que precisamos definir e explicar é a escassez relativa, tendo vários motivos, como:

  • a quantidade e qualificação são limitados;
  • os instrumentos que ajudam na produção são limitados;
  • os recursos naturais (solo, água, clima etc) já limitados por natureza, mas também são limitados pela a propriedade e uso privado;
  • o conhecimento técnico científico também funcionam como fator limitante, já que sua divulgação e promoção é contida pelas seguintes causas: i) tempo de translado e assimilação das novas tecnologias; ii) preço e custo para adquiri-la; iii) monopólios de uso, na forma de patentes e direitos.
Até o momento, podemos destacar alguns pontos muito importantes que definimos ao longo do texto:

  1. Os homens são obrigados a produzir bens e serviços para satisfazer suas vontades e necessidades;
  2. Com o passar do tempo, as ações de produzir e consumir vão se distanciando cada vez mais;
  3. O aumento exponencial de produtoras e distribuidoras entre o início e o fim da produção.
Nas sociedades do passado, a produção era destinada para o próprio consumo, que vai sendo alterado conforme surge as divisões de tarefa e um comércio primitivo, onde ele produzia  permutava coisas por outras que ele tinha necessidade, em outras palavras, ele trocava coisas.

Hoje o ato de produzir e consumir implica em, no sistema capitalista, em dois atos:
  • Como obter dinheiro;
  • Como gastar e empregar o dinheiro.
Como na sociedade atual a troca em espécie caiu em desuso, o homem precisa obter dinheiro e com ele comprar outras coisas para saciar suas necessidades, gerando o ato de compra e venda. E para esses atos se realizem, é necessário ser organizado o ato de produção. Indivíduos que organizam esse ato são chamados de empresários ou organizadores de produção, enquanto outros a executam.

Em contraste com sociedade pretérita, que a produção tinha o objetivo diretamente ligado a satisfação de uma necessidade, seja para o consumo, guerra ou auxiliar o homem na produção, a sociedade moderna desvincula o produzir do consumir. O empresário produz para gerar lucro com quem compra e investi. Os trabalhadores ganham seus salários para, fundamentalmente, consumir.

"Na sociedade capitalista, portanto, o ato de produção pode ser entendido como a execução de atividades que tenham como finalidade o lucro e, indiretamente, a satisfação de necessidades, por meio de trocas.", afirma Cano.

Conclusão


Nesse texto, tratamos um pouco, de uma forma bem simplificada e resumida, como o desenvolver da sociedade e algumas mudanças moldaram as nossas formações sociais e nossa relação com o ato de produzir, levando a conceitos como troca, valor de troca e de uso. Além disso, discutimos também aspectos e conceitos que foram sendo criados, esquecidos e alterados ao longo da história, que ajudam a entender a relação da produção, trocar e consumir.

Lembrando que não sou nenhum expert e aqui é um canal de discussão e troca de experiências. E aí, vamos discutir ?

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